Especialidades

Manifestações Gastrointestinais de Alergia

Síndrome da alergia oral

A síndrome da alergia oral acomete basicamente a orofaringe (boca e garganta). As manifestações clínicas têm início logo após à exposição ao alérgeno (alimento envolvido) e incluem edema, hiperemia, prurido e sensação de queimação nos lábios, língua, palato e garganta. Os sintomas costumam ser breves. Raramente ocorrem outros sintomas associados ou anafilaxia. Sintomas orais idênticos à síndrome de alergia oral podem ser a manifestação inicial de reação sistêmica em pacientes com alergia a alimentos como leite de vaca e ovo (não relacionadas com o pólen). Este quadro ocorre predominantemente em adultos.

Os principais alimentos desencadeantes são frutas e vegetais frescos. Esta reação alérgica pode acontecer após o paciente se sensibilizar (se tornar alérgico), por via respiratória, a polens que contêm proteínas semelhantes às encontradas em determinadas frutas (banana, cereja, kiwi, maçã, nozes, pera), castanhas e vegetais (aipo, batata e cenoura), fazendo com que exista reação alérgica cruzada entre o pólen e esses alimentos.

As proteínas responsáveis por este tipo de reação, em geral, são sensíveis ao calor, razão pela qual estes alimentos não geram reações quando consumidos após cozimento. Tratamento inclui exclusão do alimento envolvido e uso de sintomáticos durante a reação alérgica.

Esofagite Eosinofilica

Trata-se de uma inflamação crônica do esôfago, caracterizada por infiltração significativa e isolada de eosinófilos na mucosa esofágica, associada a sintomas de disfunção desse órgão. Sua prevalência vem aumentando principalmente em países ocidentalizados e com maior desenvolvimento socioeconômico, e pode afetar indivíduos de todas as idades e raças, sendo mais frequente em caucasianos do sexo masculino, e está fortemente associada a outras doenças atópicas.

Apesar de vários estudos descreverem características clínicas da esofagite eosinofílica, não há nenhum sintoma e/ ou sinal ao exame físico específico de esofagite eosinofílica. Em lactentes, os sintomas são pouco específicos, e incluem recusa alimentar ou intolerância, irritabilidade, vômitos, baixo ganho pondero-estatural, ou regurgitação. Em crianças maiores, os sintomas mais comuns são dor abdominal, vômitos, sintomas clássicos de doença do refluxo gastroesofágico, disfagia, aversão à comida, dieta muito limitada, ou baixo ganho pondero-estatural. Em adolescentes é comum a disfagia, impactação alimentar, náuseas, sintomas de doença do refluxo gastroesofágico ou dieta seletiva.

Alguns comportamentos podem ser sugestivos de esofagite eosinofílica como comer devagar, mastigar cuidadosamente, cortar os alimentos em pedaços pequenos, lubrificar alimentos com molhos, beber líquidos para diluir alimentos e evitar pílulas e alimentos consistentes que possam causar desconforto ao deglutir, tais como carnes e pães. Em casos raros, a esofagite eosinofílica pode manifestar-se com a ruptura espontânea do esôfago devido a vômitos fortes (síndrome de Boerhaave) após uma impactação alimentar.

A impactação alimentar é um achado frequente de esofagite eosinofílica, e cerca de 50% dos casos foi necessária a retirada do alimento através de endoscopia digestiva alta de urgência.

Para o diagnóstico de esofagite eosinofílica é necessário o paciente apresentar sintomas de disfunção esofágica (já descritos acima), associado a biópsias de mucosas, através de endoscopia digestiva alta, evidenciando pelo menos 15 eosinófilos por campo de grande aumento exclusivamente no esôfago, além excluir as causas secundárias de eosinofilia esofágica.

A causa da esofagite esoinofílica pode estar relacionada à alergia alimentar, sendo os principais alimentos envolvidos: leite, ovo, soja, trigo, nozes e frutos do mar. E é devido à essa alergia alimentar que acontece a inflamação na mucosa do esôfago levando aos sintomas acima descritos. Se não tratada adequadamente a esofagite eosinofílica pode levar mais tardiamente a estenose do esôfago.

O tratamento dessa doença pode incluir: dieta de exclusão dos alimentos suspeitos, medicação (inibidores de bomba de prótons e corticoides inalatórios deglutidos) e dilatação (quando existe fibrose e diminuição do diâmetro do esôfago pela inflamação crônica). Como a esofagite eosinofilica é uma doença crônica e recidivante, o acompanhamento e tratamento devem ser contínuos, já que a suspensão do tratamento, em geral, implica no retorno dos sintomas.

Gastrite / Duodenite eosinofílicas / Gastroenterite eosinofílica

Gastrite eosinofílica alérgica: é decorrente de reação de hipersensibilidade a alimentos e caracterizada pela presença de processo inflamatório eosinofílico na mucosa do estômago. É mais comum em lactentes e adolescentes, podendo comprometer recém-nascidos também.

Os alérgenos alimentares mais frequentemente implicados são: leite de vaca, milho, soja e amendoim. Os pacientes podem se apresentar com infiltrado eosinofílico no duodeno configurando a duodenite eosinofílica, que pode se apresentar com sintomas obstrutivos.

Os sintomas incluem vômitos, dor abdominal, anorexia, saciedade precoce, hematêmese/sangramento gástrico, déficit de crescimento, e mais raramente, sintomas de obstrução antral ou duodenal. Caracteriza-se ainda por ausência de resposta ao tratamento convencional com inibidores da bomba de prótons. Aproximadamente 50% dos pacientes têm atopia, níveis elevados de IgE sérica e eosinofilia periférica, mas a relação entre o alérgeno alimentar causal e o resultado positivo aos testes cutâneos de hipersensibilidade imediata é fraca, com especificidade menor que 50%. O tratamento e a evolução apresentam semelhanças com os das outras doenças eosinofílicas, e respondem muito bem à dieta de exclusão e uso de corticosteroides.

Gastroenterite eosinofílica: é mais prevalente na faixa etária pediátrica, podendo acometer crianças em qualquer idade e apresenta sintomas semelhantes àqueles descritos na esofagite e gastrite eosinofílicas alérgicas, porém o processo inflamatório eosinofílico acomete o estômago e intestino delgado.

O comprometimento do intestino delgado causa também sintomas de má absorção e de enteropatia perdedora de proteínas, que podem ser proeminentes e traduzidos por acentuado déficit pôndero-estatural, hipogamaglobulinemia e edema generalizado, secundário à hipoalbuminemia. Aproximadamente 70% dos pacientes com gastroenterite eosinofílica são atópicos e têm níveis séricos elevados de IgE total e específica.

A eosinofilia periférica pode ser observada em 50% dos casos. O leite de vaca, os cereais, a soja, o peixe e o ovo são os alérgenos alimentares mais frequentemente implicados. O tratamento também consiste na eliminação do alérgeno alimentar e semelhante à esofagite e à gastrite eosinofílicas, a gastroenterite eosinofílica apresenta excelente resposta às fórmulas e dietas extensamente hidrolisadas e, principalmente, às fórmulas à base de aminoácidos nos lactentes pequenos com quadros graves, assim como nos que necessitam hospitalização.

Refluxo gastroesofágico por alergia alimentar (RGE)

Muitos lactentes, nos primeiros meses de vida, apresentam sintomas de refluxo gastroesofágico, especialmente regurgitações, vômitos ocasionais e algum grau de desconforto. Esses sintomas, acompanhados de boa aceitação alimentar e ganho ponderal adequado, caracterizam o refluxo gastroesofágico fisiológico, muito frequente e, em geral, autolimitado até o final do primeiro ano de vida.

Há situações em que os sintomas de refluxo gastroesofágico são mais expressivos, tais como vômitos propulsivos, regurgitações frequentes, má aceitação alimentar, choro excessivo, arqueamento de tronco e desaceleração do ganho ponderal, que podem caracterizar a doença do refluxo gastroesofágico ou o refluxo gastroesofágico secundário à alergia alimentar. Há publicações que indicam ocorrência de alergia às proteínas do leite de vaca em quase a metade dos casos graves de refluxo gastroesofágico em lactentes.

O diagnóstico definitivo de alergia deverá ser firmado após teste de provocação oral. Deve-se excluir o alimento suspeito por 4 a 6 semanas e, após estabilização do quadro clínico, reintroduzi-lo. Caso exista o reaparecimento dos sintomas, o diagnóstico de DRGE secundário à alergia alimentar é confirmado.

Há um subgrupo de lactentes com refluxo gastroesofágico grave e alergia alimentar que não respondem convenientemente ao tratamento nutricional, e que necessitam de endoscopia digestiva alta, no sentido de detectar esofagite eosinofílica ou gastroenteropatia eosinofílica.O tratamento é feito através da dieta de exclusão do alimento suspeito, caso o paciente esteja em aleitamento materno, esse alimento deve ser excluído da dieta materna.

Enteropatia induzida por proteína alimentar

A enteropatia induzida por proteína alimentar ocorre especialmente em lactentes nos primeiros meses de vida, caracterizada, em geral, por diarreia não sanguinolenta, de caráter prolongado. A manutenção do quadro resulta em má absorção intestinal significante e déficit pôndero-estatural, podendo evoluir com edema por perda proteíca.

O quadro é acompanhado muitas vezes por vômitos intermitentes e anemia. O início do quadro clínico é, muitas vezes, de difícil detecção e pode ocorrer após quadros de gastroenterite infecciosa prolongados seguidos de alergia alimentar. Nos primeiros meses de vida a proteína do leite de vaca é a mais envolvida na gênese desta doença, seguindo-se em alguns casos a soja, o ovo e o trigo. Em crianças maiores observam-se reações com a ingestão de arroz, carne de galinha e peixe. Os exames de alergia são negativos na quase totalidade dos casos.

Para o diagnóstico definitivo, impõe-se a realização de endoscopia digestiva alta com biópsia intestinal, que mostra alterações de mucosa com presença de graus variados de atrofia vilositária, lesões focais, hipertrofia de criptas, aumento de linfócitos intraepiteliais e pouca infiltração eosinofílica. Caso o lactente já esteja ingerindo glúten, é necessário fazer o diagnóstico de exclusão de doença celíaca.

Síndrome da enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES)

A síndrome da enterocolite desencadeada por proteína alimentar – “FPIES” (do inglês Food Protein Induced Enterocolitis Syndrome) é uma manifestação potencialmente grave de alergia alimentar não-IgE mediada, com manifestações clínicas heterogêneas.  É considerada uma alergia alimentar com fisiopatologia e incidência desconhecidas. Por sua gravidade, e por determinar em algumas situações o choque, deve ser considerada uma urgência entre as crianças com alergia alimentar. Antes considerada uma entidade rara, a FPIES tem sido cada vez mais descrita.

A FPIES se manifesta usualmente em lactentes por náuseas, vômitos incontroláveis, hipotonia, palidez, apatia e diarreia com muco e/ou sangue ou não. Os vômitos se iniciam 1 a 3 horas após a ingestão do alimento desencadeante. Pode haver desidratação, acidose metabólica e choque hipovolêmico, podendo levar ao diagnóstico equivocado de sepse. O início da diarreia pode ser mais tardio (5 a 10 horas após). Manifestações respiratórias e cutâneas estão ausentes na FPIES.

Comumente, é desencadeada em crianças menores pelas proteínas do leite de vaca e da soja, mas também pode ser decorrente de outros alimentos, como peixe, galinha, trigo, arroz, entre outros (em crianças maiores). Os sintomas, em geral, se desenvolvem no primeiro ano de vida, começando nos primeiros contatos com alimento envolvido.

Como a FPIES não é mediada por IgE, os exames de alergia para alimentos na maioria são negativos e o diagnóstico baseia-se na história clínica, sintomas e com o teste de provocação sendo positivo após à exposição ao alimento suspeito. A avaliação endoscópica não está indicada de rotina, pois os achados são inespecíficos.

Nas crises agudas, em geral, as crianças evoluem bem, e o tratamento é feito com hidratação venosa e sintomáticos, já o tratamento à longo prazo é a exclusão do alimento envolvido. As manifestações clínicas vão depender da quantidade e frequência da ingestão do alimento envolvido: sintomas crônicos aparecem quando a ingestão do alimento é feita regularmente e sintomas agudos surgem quando essa ingestão é realizada de forma intermitente, ou quando a criança recebe uma grande quantidade de repente (primeiras mamadeiras).

Os pacientes que apresentam estes quadros desencadeados pelas proteínas do leite de vaca e de soja, em geral, tornam-se tolerantes por volta dos 2 a 3 anos de idade, enquanto aqueles desencadeados por alimentos sólidos tendem a ter evolução mais prolongada.

Proctocolite eosinofílica

A proctocolite (ou colite) eosinofílica, também denominada de alérgica é uma forma comum de apresentação da alergia às proteínas do leite de vaca, porém, sua prevalência é desconhecida. Indiscutivelmente, constatou-se, na prática, aumento da sua incidência nas últimas décadas.

Do ponto de vista clínico, a proctocolite eosinofílica é mais frequente em meninos do que em meninas (60% versus 40%), tem início nos primeiros meses de vida (80% antes dos 6 meses) e sua apresentação clínica é a presença de sangue nas fezes, na maioria das vezes em pouca quantidade e sem alteração da consistência das fezes, sem comprometimento do estado geral e a criança apresenta-se saudável e com bom ganho de peso.

Cerca da metade dos casos ocorre na vigência de aleitamento natural exclusivo (reações às proteínas ingeridas pela mãe com transmissão através do leite materno).

Em geral, a perda de sangue desaparece poucos dias após a exclusão da proteína alergênica da dieta da mãe (lactentes em aleitamento natural exclusivo) ou do lactente. Os exames de alergia não contribuem para o diagnóstico e a pesquisa de sangue nas fezes é inadequada e pode permanecer positiva mesmo depois do controle clínico do paciente. A maioria dos casos não necessita avaliação colonoscópica e biópsia mas quando realizada mostra intenso infiltrado eosinofílico. O desenvolvimento espontâneo de tolerância oral (cura da alergia alimentar) na proctocolite alérgica ocorre na maioria das vezes até 1 ano de idade.

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